21 de fevereiro de 2013

A Renúncia de Um Papa

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- Algo incomum, mas perfeita e plenamente possível-


Em 11 de fevereiro, p.p., na memória litúrgica de Nossa Senhora de Lourdes, na XXI Jornada Mundial dos Enfermos, o Romano Pontífice, vivendo o oitavo ano de seu pontificado, fez pública a sua decisão,livre e pessoal, datada de 10 de fevereiro (memória de Santa Escolástica, irmã de São Bento), diante da reunião de alguns Cardeais no Consistório Ordinário Público (para as Causas de Canonização), de renunciar ao múnus de: Bispo da Igreja de Roma, no qual perdura o múnus concedido pelo Senhor singularmente a Pedro, primeiro dos Apóstolos, para ser transmitido aos seus sucessores, deixando então de ser, a cabeça do Colégio dos Bispos, Vigário de Cristo e aqui na terra Pastor da Igreja universal; não mais possuindo, em virtude da efetivação dessa renúncia, no dia determinado, o múnus com o qual tinha na Igreja o poder ordinário supremo,pleno, imediato e universal, que podia sempre exercer livremente (cf. cânn. 331; 187; 189, § 3).
Começam as elucubrações, os palpites de toda ordem, as suposições; todas elas bem permeadas de opiniões sem fundamento, de puro subjetivismo, ou melhor ainda, do relativismo que o Santo Padre sempre condenou e continua presente na cabeça da mídia. É preciso, antes de tudo, conhecer que uma renúncia, por parte do Romano Pontífice, embora algo realmente incomum (de modo assim tão livre é, provavelmente, a segunda, sendo pioneiro o Papa Celestino V -monge beneditino-que renunciou em 1294, sendo canonizado em 3 de maio de 1313; mas em verdade ao menos dez Romanos Pontífices também já renunciaram, não sendo unânime isso entre os historiadores) é sim, perfeita e plenamente possível e,por isso mesmo, está juridicamente prevista nas normativas da Igreja Católica, contidasno Código de Direito Canônico (1983 = CIC), no Código dos Cânones das Igrejas Orientais(1990 = CCEO) e na Constituição Apostólica Universi Dominici Gregis (1996UDG), que trata, especificamente, da vacância da Sé Apostólica e da Eleição do Romano Pontífice.
Eis o que diz, nomeadamente, a legislação a tal respeito:
“Se acontecer que o Romano Pontífice renuncie a seu múnus, para a validade se requer que a renúncia seja livremente feita e devidamente manifestada, mas não que seja aceita por alguém” (cân. 332, § 2 CIC).
“Se acontecer que o Romano Pontífice renuncie ao seu ofício, se requer para a validade, que a renúncia seja feita livremente e seja formalmente manifestada, não se requer, ao invés, que seja aceita por alguém” (cân. 44, § 2 CCEO).
Declarava o Beato João Paulo II na Constituição Apostólica Universi Dominici Gregis: “Aliás, o estipulado no cânone 335 do Código de Direito Canônico, e reproposto no cânone 47 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais, faz supor o dever de emanar e, constantemente, atualizar leis específicas que regulem a provisão canônica da Sé Romana, por qualquer motivo vacante”. Os negritos são nossos e, quer significar, nomeadamente nesse último: morte ou renúncia, sem dúvida.
Diz ainda a mesma Constituição Apostólica dantes referida:
“Estabeleço que o Colégio Cardinalício não possa de modo algum dispor acerca dos direitos da Sé Apostólica e da Igreja Romana, e menos ainda, deixar que se perca, direta ou indiretamente, qualquer coisa deles, mesmo que seja para compor dissídios ou perseguir ações perpetradas contra os mesmos direitos após a morte ou renúncia válida do Pontífice. Seja preocupação de todos os Cardeais tutelar estes direitos” (UDG 3) e,
“Estabeleço que as disposições referentes a tudo aquilo que precede a eleição do Romano Pontífice e à realização da mesma, devem ser integralmente observadas, mesmo no caso que a vacância da Sé Apostólica houvesse de verificar-se por renúncia do Sumo Pontífice, nos termos do cân. 332, § 2 do Código de Direito Canónico, e do cân. 44, § 2 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais” (UDG 77).
Com as formalidades prescritas, portanto para o ato (livre e manifestado), inclusive dando, sem que isso seja de modo algum necessário para a validade, os motivos que o levaram à renúncia do seu múnus de Sucessor de Pedro, ele diz: “cheguei à certeza de que as minhas forças, devido à idade avançada, já não são idôneas para exercer adequadamente o ministério petrino”. E, completa a sua fundação, asseverando sua irrevogável decisão:bem consciente da gravidade deste ato, com plena liberdade, declaro que renuncio ao ministério de Bispo de Roma, Sucessor de São Pedro, que me foi confiado pela mão dos Cardeais em 19 de abril de 2005, pelo que, a partir de 28 de fevereiro de 2013, às 20.00 horas, a sede de Roma, a sede de São Pedro, ficará vacante e deverá ser convocado, por aqueles a quem tal compete, o Conclave para a eleição do novo Sumo Pontífice”.
O Santo Padre cumpriu assim o que determina o § 3 do cân. 189, na sua segunda parte, é claro: “A renúncia que necessita de aceitação, se não for aceita dentro de três meses, não tem nenhum valor; a que não necessita de aceitação produz efeito mediante a comunicação do renunciante, feita de acordo com o direito”.
Agora não é hora para os lamentos, nem para os questionamentos, pesares ou conjecturas; foi uma decisão tomada, maturadamente,na oração e intimidade com Deus isso assim vem expresso de modo meridiano em sua comunicação de renúncia: “Depois de ter examinado repetidamente a minha consciência diante de Deus.
Gratituto quae sera tamen! É aquilo que todos nós podemos dizer ao nosso amado Papa a quem, tão singularmente podemos agradecer já em vida, diante do seu tão profícuo governo, confirmando na fé e presidindo na caridade os cristãos católicos, e testemunhando aos homens de boa vontade o fiel seguimento de Cristo; é hora de agradecer a Deus que lhe concedeu a graça de uma corajosa e humilde renúncia, um marco na história da Igreja, um testemunho de humildade para o mundo: Deus lhe recompense, Padre Santo, por tudo o que fez para guiar todo o rebanho do Senhor, buscado nada absolutamente antepor a Cristo!
Embora a ele devamos todos nós, sem dúvida, um eterno preito de gratidão, que em seu magistério tão sábio, ministrado como um simples e humilde trabalhador na vinha do Senhor, claramente reconhece: “no mundo de hoje, sujeito a rápidas mudanças e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé, para governar a barca de São Pedro e anunciar o Evangelho, é necessário também o vigor, quer do corpo, quer da mente; vigor este, que, nos últimos meses, foi diminuindo de tal modo em mim que tenho de reconhecer a minha incapacidade para administrar bem o ministério que me foi confiado”, confirmando na prática suas primeiras palavras depois da eleição, é ele quem acaba por agradecer aos Senhores Cardeais: “Caríssimos Irmãos, verdadeiramente de coração vos agradeço por todo o amor e a fadiga com que carregastes comigo o peso do meu ministério, e peço perdão por todos os meus defeitos”.
Teremos então um Papa Emérito, pois renunciou (embora nem todos concordem com isso, mas ao menos o será de acordo com o cf. cân. 185, excetuando o fato de que ninguém pode aceitar sua renúncia, ele simplesmente a proclama, como de fato o fez) e, na concretização disso deixou bem claro como quer conduzir a sua vida a partir da efetivação de sua renúncia: “Pelo que me diz respeito, nomeadamente no futuro, quero servir de todo o coração, com uma vida consagrada à oração, a Santa Igreja de Deus”. Ele já escolheu o lugar e o modo como se efetuará essa nova fase de sua vida, sem dúvida dedicando-se ainda mais a oração e aos estudos, coisas que sempre lhe foram muito caras e as quais havia manifestado ao Beato João Paulo II, quando estava prestes a concluir sua idade à testa da Congregação para a Doutrina da Fé. Que o Senhor lhe conceda, nosso sempre amado Papa Bento XVI muitos e fecundos anosin Deoabscondito!
A partir, portanto, das Santas Missas celebradas no dia 28 (quinta-feira) às 17.00 horas de Brasília, não mais se diz na oração eucarística o nome do Papa, pois a Sede de Pedro, ficará vacante.
E a história da Igreja, peregrina neste mundo continua… pois em 1º de março de 2013 começam as congregações preliminares dos Cardeais para a eleição do Sumo Pontífice (nn. 7-13 UDG). Serão duas espécies de Congregações: geral, ou seja, constituída por todo o Colégio Cardinalício até ao início da eleição e outra particular, constituída pelo Cardeal Camerlengo S. Emcia. Tarcísio Bertone, SDB e por três cardeais, um de cada uma das ordens (Episcopal - 4, Presbiteral - 83 e Diaconal– 30, portanto 117 Cardeais Eleitores dos 208 existentes), extraídos à sorte dentre os Cardeais eleitores que já tenham chegado a Roma; o ofício desses três Cardeais, chamados Assistentes, cessa-se ao completar o terceiro dia, sucedendo-lhes por meio de sorteio, outros três, pelo mesmo espaço de tempo, mesmo depois de iniciada a eleição. Como o Decano e o Vice-Decano são mais que octogenários as congregações gerais serão presididas pelo Cardeal Giovanni Batista Re (cf. n. 9 da UDG).
O Capítulo V da UDG será posto à parte, dessa feita, como também tudo o que ao mesmo venha diretamente referido na Constituição, pois trata nomeadamente das Exéquias do Romano Pontífice, já que temos uma Sé vacante por renúncia e não por morte.
Haverá, entretanto uma eleição que à norma do número 37 da UDG, assim se desenvolverá: “Estabeleço, ainda, que, desde o momento em que a Sé Apostólica ficar legitimamente vacante, os Cardeais eleitores presentes devem esperar, durante quinze dias completos, pelos ausentes; deixo, ademais, ao Colégio dos Cardeais a faculdade de adiar, se houver motivos graves, o início da eleição por mais alguns dias. Transcorridos, porém, no máximo, vinte dias desde o início da Sé vacante, todos os Cardeais eleitores presentes são obrigados a proceder à eleição”. Por essa determinação, as eleições, propriamente ditas, começarão a partir do dia 15 de março (cf. cânn. 202, § 1; 203, § 1). O Padre Federico Lombardi, SJ (Diretor da Sala de Impressa da Santa Sé e não Porta-voz como, erroneamente, é denominado pela impressa), afirmou a possibilidade de antecipação da eleição, já que não existem os nove dias previstos para os funerais. Isso certamente poderá ser feito, cumprindo-se o que se prevê no n. 33 da UDG: “Todos os Cardeais eleitores, convocados pelo Cardeal Decano, ou por outro Cardeal em seu nome, para a eleição do novo Pontífice…”. Isso vem definido bem mais objetivamente pelo que determina o n. 7: “Durante o período da eleição, as questões mais importantes, se for necessário, são tratadas pela assembleia dos Cardeais eleitores, ao passo que os assuntos ordinários continuam a ser tratados pela Congregação particular dos Cardeais”.

Quem pode votar?
Os Eminentíssimos Senhores Cardeais que no dia em que tem início a vacância da Sé Apostólica, ou seja, em 1º de março de 2013, não possuam ainda oitenta anos: em 1º de março, portanto, serão 117 eleitores, pois sua Emcia., o Cardeal Lubomyr Husar, MSU, Arcebispo-Mor Emérito dos Ucranianos, completa os seus oitenta anos no dia 26 de fevereiro, portanto dois antes da vacância da Sé Apostólica.Assim os Cardeais com menos de oitenta anos possuem unicamente a voz ativa, mas não unicamente àquela passiva.

Quem pode ser votado?
Na prática qualquer varão batizado não casado, de maior idade,pois já tivemos Papas que foram eleitos e que eram somente diáconos e, isso se depreende dos nn. 88-89 da UDG: “Depois da aceitação, o eleito que tenha já recebido a Ordenação episcopal, é imediatamente o Bispo da Igreja de Roma, verdadeiro Papa e Cabeça do Colégio Episcopal; e adquire efetivamente o poder pleno e absoluto sobre a Igreja universal, e pode exercê-lo. Se, pelo contrário, o eleito não possuir o caráter episcopal, seja imediatamente ordenado Bispo”; “Se o eleito ainda não possuir o caráter episcopal, só depois de ter sido solenemente ordenado Bispo é que lhe será prestada a homenagem e será feito o anúncio ao povo”. Não existe também, limite máximo de idade para ser votado, assim os Cardeais com mais de oitenta anos possuem a voz passiva, embora não àquela ativa. O último Papa não Cardeal foi Urbano VI (1378), eleito, quando era Arcebispo de Bari - Itália. Em pura teoria, um Papa que tenha renunciado, poderia ser, sem dúvida reeleito.

Quantos escrutínios são previstos?
Conforme atesta o n. 72 da UDG:  “Confirmando as disposições dos meus Predecessores, São Pio X, Pio XII, e Paulo VI, prescrevo que - à exceção da tarde da entrada em Conclave -, tanto na parte da manhã como na parte da tarde, imediatamente depois de uma votação na qual não se tenha obtido a eleição, os Cardeais eleitores procedam logo a uma segunda, em que exprimam de novo o seu voto. Neste segundo escrutínio, devem ser observadas todas as formalidades do primeiro, com a diferença de que os eleitores não são obrigados a prestar um novo juramento, nem a eleger novos Escrutinadores, Infirmarii e Revisores, valendo para esse fim, também no segundo escrutínio, aquilo que foi feito no primeiro, sem repetição alguma”
Em síntese: 1 escrutínio na tarde + 2 escrutínios pela manhã e dois pela tarde nos primeiros três dias, totalizando 13 escrutínios.
Se não conseguirem, nesses dias, a eleição, sejam os escrutínios suspensos durante um dia no máximo, para uma pausa de oração e livre colóquio entre os votantes e uma breve exortação espiritual feita pelo primeiro dos Cardeais da ordem dos Diáconos (Cardeal Protodiácono da Santa Igreja Romana = Jean-Louis Pierre Cardeal TOURAN) e recomeçam as votações segundo a mesma forma e, se após 7 escrutínios ainda não se verificar a eleição, faz-se outra pausa de oração, de colóquio e de exortação feita pelo primeiro Cardeal na ordem dos presbíteros (Sendo, atualmente o Cardeal Protopresbítero da Santa Igreja Romana, Paulo Evaristo Cardeal Arns, não eleitor, ou mais antigo nesta ordem é S. Emcia. Godfried Cardeal DANEELS), e recomeçam as votações, na mesma forma, para outra eventual série de 7 escrutínios; se ainda não tiver obtido o resultado esperado, faz-se ainda outra pausa de oração e de exortação a ser feita pelo primeiro dos Cardeais  da ordem dos Bispos (S. Emcia. Giovanni Batista Cardeal RE), procedendo-se a mais 7 escrutínios, totalizando assim: 34 escrutínios; se mesmo assim não se conseguir eleger o Papa, procede-se como determinou o Papa Bento XVI na Carta Apostólica dada em forma de Motu Proprio Aliquibus mutationibus de 11 de junho de 2007, com a qual ele revogou o contido no n. 75 da UDG que,  a partir daquele que seria o 35º escrutínio em diante, mais ou menos, no décimo terceiro dia do início das eleições, tenham voz passiva somente aqueles dois que obtiveram mais votos no escrutínio anterior, carecendo, nessa ocasião, os próprios de voz ativa, devendo ser eleito, portanto aquele que obtiver a maioria qualificada, ou seja dois terços dos votos dos cardeais eleitores. Desse modo, não há limites de escrutínios, mas somente poderá ser eleito p novo Papa por 2/3 dos votos.

Com quantos votos pode ser eleito o futuro Papa?
Atualmente 78 votos (2/3), já que são 117 os eleitores (cf. n. 62UDG)

Oremos então, para que o Senhor nos conceda um Pastor segundo o seu coração, com o pio afeto de um pai, mas também com as exigências de um mestre, para que continue conduzindo a barca de Pedro, que é acima de tudo a barca do Salvador; a Igreja, Una, Santa, Católica e Apostólica, que subsistirá, segundo a promessa daquele que é Fiel.


D. Hugo Cavalcante, monge-beneditino
Vigário Judicial do TEI-Uberaba- MG
Sócio da SBC, APC, CICICP, ASCAI, AAOC.

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